A história da América Latina (e, consequentemente, do Estado do Paraná) é marcada inescapavelmente pelo hibridismo cultural. Desde a invasão europeia que se iniciou no século XVI até os dias de hoje, o Brasil, enquanto nação, vai se desdobrando como o fruto do contato, nem sempre amistoso, entre diversas culturas. Uma das movimentações históricas que resultaram em algumas das misturas e sincretismos que até hoje se fazem presentes em nosso cotidiano foi a tentativa dos jesuítas de fundar, em terras brasileiras uma sociedade cristã a partir da população indígena que aqui residia.
Para realizar tal empreendimento um elemento fundamental foi o conhecimento da língua nativa, neste sentido vários jesuítas aprenderam a língua Guarani. O primeiro dicionário desta língua indígena foi produzido por Ruiz de Montoya.
Este jesuíta nasceu em 13 de junho de 1585, na cidade de Lima de los Reyes, vice-reinado do Peru, filho do espanhol Cristóbal Ruiz e da limenha Ana Vargas. Com a morte de seus pais, ainda jovem, decidiu entrar para a “Real Escola de San Martin” de Lima e em 1611 foi ordenado padre em Santiago del Estero.
No ano de sua ordenação, chegou a Asunción del Paraguay com a motivação de seguir para a Missão do Guairá e assim iniciou seus primeiros estudos sobre o conhecimento da teoria, normas e regras gramaticais.
Depois do Guairá, durante vários anos, desenvolveu suas missões itinerantes, realizando batizados e celebrando missas. Foi na redução de Nossa Senhora de Loreto que Montoya trabalhou em sua obra lingüística “Tesoro de la lengua Guarani”, considerado o primeiro dicionário dessa língua e que o consagra como lingüista; foi editado pela primeira vez no ano de 1639, quando estava em Madri, mas que remete a 30 anos de convivência com os indígenas, pois acredita-se que Montoya escreveu suas observações e estudou a língua Guarani durante todo seu contato com diferentes tribos na América, durante todo período missionário. Foram numerosas as edições realizadas das obras de Montoya e, para Rebes, o cuidado com a redação e ortografia são aspectos básicos dos escritos do missionário, e são consoantes o intuito de transmitir a realidade dos eventos que acompanhava nas Missões do Guaíra.
A publicação deste dicionário foi um marco literário que caracteriza o processo de hibridização através do qual se constitui nosso português atual. Segue abaixo o significado guarani do nome de algumas cidades paranaenses que expressam este processo:
ANDIRÁ: nome Tupi para o morcego, o que liga o nome à área de ocorrência da fauna.
ARAPONGA: Como nome comum, a palavra designa um pássaro da família dos cotingídeos (Procnias nudicolis). Nesse sentido primitivo, foi transferido semanticamente para o homem, como alcunha. Daí, passou a designar famílias e, no plural, o tópico municipal paranaense. Formada pela justaposição de ará, ‘ave’ - ponga, gerúndio supino do verbo pong, ‘fazer ruído’; donde: ‘ave de canto sonante’”.
ASSAÍ: Forma simples que nomeia a fruta ácida da palmeira Euterpe oleracea, de que se faz suco, o que a liga semanticamente à flora. A ortografia vigente determina que seja escrita de outra forma: açaí.
CAMBARÁ: Forma simples, variação lingüística de camará, designação comum a várias plantas das famílias das verbenáceas e das solanáceas, especialmente a Moquina polymorpha, o que a liga semanticamente à flora.
CURITIBA: O nome da capital paranaense é uma lexia formada pela justaposição dos seguintes lexemas Tupi: kuri, ‘pinheiro’, + tyba, ‘muito, lugar onde há muito’; donde: ‘sítio onde há muitos pinheiros, pinhal’; o que o liga semanticamente à flora.
GUAÍRA: Sampaio (1957) lhe aponta por étimo a expressão kûá-y-rã, “passar não há de”, e informa que, conforme Batista Caetano, guaíra era o nome Tupi para o salto das sete quedas. Correta essa interpretação, a lexia tem originalmente uma formação lexical complexa e está ligada semanticamente aos acidentes geográficos.
GUARANIAÇU: Nome composto da justaposição de guarani, etnônimo indígena, e de açu, grande; donde: ‘o grande guarani’, o que o liga semanticamente à cultura.
GUARAPUAVA: Sampaio (1957) aponta duas justaposições como possíveis étimos para este nome: guará-poaba, ‘rumor dos guarás’; ou guirá-poaba, ‘rumor dos pássaros’, ambos os quais ligam-no semanticamente à fauna. Ferreira (1997:331) informa um sentido curioso desta lexia na área dialetal do Estado de São Paulo: “cavalo árdego, espantadiço e pouco resistente”.
1. Pesquise mais três cidades paranaenses com nome indígena e, mediante uma pesquisa, tente descobrir seu significado.
2. Baseado nas informações presentes neste DVD discorra sobre o que foram as reduções jesuíticas.
3. Cite mais cinco palavras de uso corrente na língua portuguesa que tenham origem indígena